#fonte20anos :: A aprendizagem no centro
Nesta entrevista da Série Comemorativa #fonte20anos, Márcia Thomazinho fala sobre Aprendizagem e processos pautados nas capacidades de aprender para gerar desenvolvimento social. Aborda ainda como o tema é vivenciado e estimulado pelo Instituto Fonte nos diferentes espaços nos quais atua.
Márcia começou sua vida profissional como bióloga atuando com Educação Ambiental em um parque urbano em São Paulo. Assim, a paixão pela natureza e o desejo de ajudar a conservar a nossa biodiversidade, deram aos poucos lugar a um olhar mais amplo, conectado a questões sociais. “Na própria questão ambiental, existe uma importante dimensão social a ser considerada e trabalho a ser feito com as pessoas. Fui aos poucos descobrindo isso e me interessando e oi assim que eu me envolvi em projetos com viés social”, disse Márcia durante sua entrevista para tratar do tema da Aprendizagem na trajetória dos 20 anos do Instituto Fonte.
Após alguns anos colocando de pé e fazendo a gestão executiva de um pequeno instituto, depois a gestão de um programa de fortalecimento de OSCs , Márcia esbarrou com o Fonte, em 2009, ao participar de um de seus programas, o Profides: Profissão Desenvolvimento. “Identifiquei-me com o jeito de ler o campo social e a sua prática. Vivenciar esse programa me foi muito transformador. Em seguida, eu muito metida, me ofereci para ser trainee na edição posterior do Profides – uma experiência de grande aprendizado no saber ler e facilitar processos de desenvolvimento. Depois fiz Artistas do Invisível e fui fazer a Pós-Graduação em Prática Social Reflexiva. Mais recentemente facilitei uma turma do Aprimora, assim, acabei passando por vários programas do Fonte”, contextualizou.
O Instituto Fonte permaneceu como uma grande referência e aproximou a então bióloga e gestora ao campo da facilitação e da consultoria de processos. Para Márcia, o Instituto entende a facilitação de processos como algo que cuida, zela por um processo de desenvolvimento de um grupo, de uma organização ou de uma comunidade “Essa percepção sobre facilitação e consultoria é algo muito característico dessa organização. Dentro desse viés, hoje eu me denominaria uma consultora de processos”.
Nas próximas linhas, Márcia Thomazinho, consultora, facilitadora e atualmente integrante do grupo da diretoria do Instituto Fonte, aborda o olhar sobre o campo da aprendizagem que essa organização vem desenvolvendo ao longo de seus vinte anos de existência.
A entrevista é parte da série comemorativa #fonte20anos, que trata de assuntos centrais na existência e na trajetória dessa organização que ocupa um importante lugar para a reflexão e fortalecimento das OSCs no Brasil.
Boa leitura! Boa aprendizagem!
De volta ao centro: o que dizer sobre aprendizagem na trajetória do Instituto Fonte
A aprendizagem está no centro de nossa ação. O grupo que optou por sustentar o Instituto Fonte nessa fase nova, cuidando do seu legado e construindo um lugar novo de ação, além de trabalhar e aprender junto. Intencionalmente, trouxemos a aprendizagem de volta paro o centro.
Esse lugar já foi intenso e vivo. Mas olhando a história, entendemos que houve um período no qual o Fonte respondeu a demandas e a parte da aprendizagem ficou em segundo plano. Estamos resgatando este lugar de construção de conhecimento. E o que significa?
- Primeiro: existem três coisas que escolhemos fazer juntas: trabalhar, aprender e sustentar coletivamente o organismo chamado Instituto Fonte. Quem optou por estar no Fonte, escolheu essas três coisas.
- Segundo: significa que todo o trabalho que a gente executa, de alguma maneira vai gerar aprendizagem para o todo, mesmo quando faço algo sozinha. Queremos aprender com cada prática, provocando internamente aquilo que desenvolvemos para fora. Este tornou-se um valor importante e forte. Estabelecemos o compromisso de exercer um olhar delicado e profundo para os nossos próprios processos. Estamos fazendo encontros de aprendizagem sobre nós, na procura de ampliar o entendimento sobre situações vivenciadas, fáceis ou difíceis. Quando temos alguma questão, problema ou algo emperrando alguma consultoria, trazemos para o grupo e olhamos coletivamente para entender mais sobre aquela situação. Estudamos os casos da prática de cada uma.
O Fonte só tem sentido se os campos de confiança e de aprendizagem mútua estiverem vivos entre nós e dialogarem constantemente com a prática de cada uma. É uma forma de se manter em desenvolvimento. Há uma compreensão de que cada consultoria ultrapassa o processo do cliente ou do grupo e provoca meu desenvolvimento, principalmente quando a troca com minhas parceiras de Fonte acontece como algo essencial para que eu possa de fato enxergar além das minhas próprias lentes, ao vencer minha própria cegueira e ao provocar uma compreensão impossível de acontecer de forma solitária. É uma maneira de manter a nossa prática viva e que me move a superar aquilo que encontro como desafio no processo.
O Fonte passou por uma fase de muitos desafios. Depois de um momento intensamente ensimesmado tivemos que concentrar as energias em perceber o que estávamos vivendo e ajudar a organização a se direcionar para o futuro. Deixar-se permear com o que está fora é uma intenção bem forte entre nós. Os processos internos ainda tomam muita energia do atual coletivo. Contudo, o Profides e a iniciativa do Escuta Nordeste são superfícies de contato com o mundo externo e uma diversidade de perfis de pessoas e de organizações. Além das consultorias, esses são espaços nos quais captamos mais do contexto no qual nos encontramos como OSCs. Há uma nítida vontade em ampliar essa superfície de contato e enfrentar coletivamente os desafios do nosso campo de atuação.
Como a aprendizagem acontece
O Instituto Fonte possui um calendário de reuniões. Algumas mais gerenciais, relacionadas ao sustento do organismo Fonte enquanto instituição, legalmente constituída, com suas burocracias, e outras específicas de aprendizagem. Além desse formato, quando alguma consultora aponta algo relacionado a uma consultoria, realizamos uma escuta interna sobre o caso. O princípio do formato é garantir olhares múltiplos para auxiliar o consultor no entendimento sobre aquela situação. Mas não apenas, pois ao provocar um olhar coletivo, todas aprendem.
Fazemos também reuniões temáticas, com convidados que já foram associados e hoje integram a rede de profissionais com quem trabalhamos e comungamos a abordagem metodológica do Fonte. Trazemos casos ou construímos um aporte conceitual para temas de interesse, sempre dialogando com questões da prática de cada uma.
Aprendizagem para fora
“A aprendizagem está no centro de nossa ação” quer dizer que nosso “jeito de fazer” pressupõe a busca por construir ou fortalecer capacidades na organização que nos procura, seja no campo da avaliação, do planejamento estratégico, não importa. Vamos em busca de um jeito no qual as pessoas aprendam, durante o processo, sobre elas, sobre a organização, sobre o tipo de ação desenvolvida. Temos esse viés de alavancar capacidades nos territórios onde atuamos, seja em uma organização, em um grupo ou em uma comunidade.
Outro campo importante são os programas de formação. O Fonte, historicamente, vem promovendo a aprendizagem a partir da abordagem do Profides: Profissão Desenvolvimento, que está em sua décima edição. Temos também o Artistas do Invisível, com três edições e é até curioso porque começou como uma ação de aprendizagem voltado para a necessidade de consultores associados em aprofundar seu conhecimento sobre a prática social reflexiva. Com o tempo, começaram a surgir outras pessoas interessadas e optamos por expandi-lo. Há também o programa Aprimora, com três edições realizadas.
Estamos procurando manter uma regularidade nos programas devido ao papel pioneiro do Fonte em influenciar o campo social para a prática social reflexiva, em construir capacidades e as fortalecer junto a profissionais que estão trabalhando com desenvolvimento. Cuidar desse campo da aprendizagem, qualificando e trazendo consciência sobre as situações sociais, é o nosso ativismo delicado frente ao cenário político e social que estamos vivendo. Há um enfraquecimento proposital sociedade civil organizada. As intenções e os méritos das organizações estão sendo colocados em cheque, os espaços de participação reduzidos, cortados, atacados e o tecido social acaba sofrendo diversas pressões. Nós, envolvidos em uma organização da sociedade civil, vulneráveis a esse contexto, começamos até a questionar nossa trajetória: Tem sentido ter lutado durante tantos anos? Valeu a pena tudo o que fizemos até aqui?
Perguntas similares nos rondam provindas, muitas vezes, das bocas de profissionais que estão há décadas trabalhando no campo social. Chega a ser perverso. Nosso ativismo está nos dizendo sobre como podemos sustentar o lugar contestado, além de favorecer o desenvolvimento de um local de apoio conjunto para organizações, profissionais e pessoas atuantes no campo. Quais são as redes que queremos criar e recriar diante dessa realidade? Precisamos, com maior intensidade, promover a troca de leituras do contexto entre as organizações.
Outro ponto relaciona-se à aprendizagem do indivíduo que trabalha no setor social, sobre sua própria prática, ao ler e se apropriar dela. É muito raro termos espaços em que o objeto de estudo é a nossa própria prática. Não é assim que aprendemos na escola ou na universidade. Estamos procurando criar esses lugares capazes de trazer luz para os profissionais sobre aquilo que fazem, ajudando a ler, favorecendo conexões entre aprender e aprimorar sua própria prática. Apropriar-se do que faz é fundamental para reverter a sombra de dúvida que paira sobre o tecido social das organizações da sociedade civil e seus profissionais. Essa forma de intervir na realidade é um diferencial na forma de agir do Instituto Fonte.
A gente não aplica a mesma coisa em diferentes contextos. Isso não casa com o que a gente acredita. Desenvolvemos um trabalho com organizações, comunidades, grupos, enfim, a partir do entendimento dessas estruturas como organismos vivos. Então, internamente, também tem que estar vivo o que estamos fazendo, o nosso processo de desenvolvimento.
A construção de uma escuta qualificada
Provocado principalmente pelo programa Escuta Nordeste, ações relacionadas a contextos que necessitam de escutas qualificas tem promovido novos olhares sobre situações institucionais recorrentes nas organizações sociais. Promover esses espaços de trocas pela ação de “ouvir ao outro” também é algo que está no âmbito da aprendizagem e do ativismo do Instituto Fonte. Ao qualificar esse espaço da troca, estimulamos o aprender a escutar a nós mesmos e aos outros com uma determinada qualidade, especialmente diante de contextos que valorizam apenas a fala e que acabam provocando uma suposta comunicação sem sentido, sem propósito, recheada de muito ataque e polarização. Praticar uma escuta qualificada também favorece a consciência sobre o lugar em que estamos como sociedade.
Por fim, as publicações sempre foram uma forma de produzir aprendizagem. Desde a coleção Gestão, a produção e sistematização de conhecimento para as organizações e profissionais da sociedade civil é uma peça importante do organismo Instituto Fonte. Fomos pioneiros em publicações para o campo das OSCs, em traduzir e trazer Allan Kaplan para o Brasil e hoje estamos trabalhando em uma publicação para contar essa abordagem da prática social reflexiva e outra relacionada ao campo de aprendizagem gerado por dez edições do Profides.
Ainda há muito a ser construído e disseminado. Mas que será abordado nas próximas entrevistas!