Reflexões sobre avaliação, a partir de Michael Patton

*foto publicada pelo Observatório da Sociedade Civil (http://observatoriosc.org.br/noticia/michel-quinn-patton-avaliar-para-aprender-aprimorar-e-transformar)

A presença de Michael Patton, fundador e presidente da Utilization-Focused Evaluation (Avaliação Focada no Uso), nos Estados Unidos, durante o 14º Seminário Internacional de Avaliação, iniciativa do GIFE, Itaú Social, Fundação Roberto Marinho e Instituto C&A, que aconteceu em agosto, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), levantou algumas questões sobre os desafios da avaliação na atualidade.

O Instituto Fonte atua a cerca de duas décadas com processos de avaliação no Brasil e tem o tema como uma de suas linhas de pesquisa e ação. Aproveitamos a presença e as provocações trazidas por Patton, pesquisador e consultor em avaliação de destaque mundial por focar, em toda a sua trajetória, questões como avaliação e aprendizagem, avaliação e desenvolvimento, avaliação e seus usos, e convidamos para uma conversa dois consultores do Instituto Fonte que estiveram presentes no evento: Flora Lovato e Alexandre Randi.

Ao olhar para esse lugar da avaliação no Brasil e na trajetória do Instituto, os consultores aproveitaram para destacar pontos que consideraram relevantes na e a partir da fala de Patton, que, é importante lembrar, traz em seu currículo cerca de cinquenta anos de dedicação à interface avaliação e aprendizagem.

Um jeito de falar sobre Avaliação: Flora Lovatto destacou a presença do especialista no Brasil como o grande mérito de todo o Seminário. “Primeiro, ele é um avaliador muito reconhecido, além de sensível e gentil na forma como faz a avaliação e como aborda e compartilha o conhecimento que tem”, acrescentou. Para Patton, diferentes enfoques ou jeitos de se pensar a avaliação, como um estudo, uma ciência, um método, uma pessoa, um avaliador, tudo isso representa variadas formas e lugares de olhar e pensar sobre o assunto. “E diante dessa imagem, ele nos deixou a seguinte questão: que tipo de avaliação engloba tudo isso, sem ser só uma coisa ou outra?”.

 

Outro elemento de destaque segundo a consultora foi o fato de, mesmo refletindo sobre diferentes tipos de avaliação, o pesquisador trazer aspectos da avaliação de impacto. “No Brasil, ainda estamos aprendendo a fazer e não temos clareza sobre o que é a avaliação de impacto. Nem as organizações, mesmo as financiadoras, estão compreendendo ‘impacto’ ou sendo capazes de diferenciar o impacto do seu próprio projeto daquele que o resto da sociedade provoca na vida de uma pessoa ou de um grupo social”, explora Flora.

“Quando ele (Patton) fala em transformação, acho que é mais profundo do que pensar a partir de seu próprio círculo de ação. Trata-se da capacidade em desenvolver olhares para a mudança de cultura, de padrão, do jeito da sociedade lidar com determinadas situações. Ele falou, por exemplo, sobre a diminuição ou eliminação de casos de uma doença devido a uma nova vacina, ou a mudança radical no número de gestantes adolescentes. São avaliações que envolvem sistemas mais complexos, uma cadeia de relações dos beneficiários, como a família, comunidade, amigos, escola, mundo virtual. Criar um processo de avaliação capaz de olhar para realidades complexas exige sensibilidades e habilidades abertas, ou conectadas a essa complexidade”.

A última questão trazida por Flora, a partir da fala de Patton, trata da conexão do pensamento avaliativo conduzido pelo pesquisador, ao de Paulo Freire. Ambos tratam como princípios essenciais aos processos a participação, o envolvimento de todos os cidadãos, ou das pessoas diretamente relacionadas ao caso a ser decifrado. “De fato, é um brasileiro cujo pensamento impacta tantas áreas do pensamento e transformação social, que sempre se aproxima de nós trazidos por novas e inesperadas fontes”, finaliza.

Pensamentos complexos X ferramentas cartesianas:   Alexandre Randi é consultor do Instituto Fonte desde 2007. A partir de enfoques já explorados na fala de Flora, o facilitador de processos considera interessante localizar a importância do pensamento complexo nos processos avaliativos, de acordo com a fala de Michel Patton. “Para mim, o ponto alto foi a provocação que ele trouxe no final de sua fala, sobre o fato de que, apesar de todo um contexto o qual nos leva a analisar um mundo de relações interligadas, que nos provoca a desenvolver um olhar holístico, continuamos trabalhando com ferramentas cartesianas, a partir de projetos e programas para a transformação social”, lembrou ao repetir algumas falas de Michel Patton.

O que é interessante de tudo isso, e também preocupante, na opinião de Randi, é que tem muita gente, há muito tempo, falando da importância de um olhar expansivo ou sobre o fato de que não dá para tratar o campo social de forma cartesiana. “Mas, ao mesmo tempo, continuamos operando da mesma maneira, com projetos, programas, com ferramentas baseadas em Marco Lógico. A Teoria da Mudança, que é uma metodologia considerada inovadora, por exemplo, é uma variação do Marco Lógico”, analisa.

A pergunta que fica, para Alexandre, é como saímos desse lugar e enfrentamos a situação real na qual temos um discurso quase de futuro sobre o olhar para a complexidade, e, na prática, não conseguimos sair desses modelos cartesianos.

Lembro do primeiro módulo, da primeira turma do Artistas do Invisível (programa de formação do Instituto Fonte), no qual uma reflexão do grupo levantou a seguinte questão: a que e a quem o Marco Lógico serve? Será que é isso que precisamos no campo social? Será que isso vai propiciar mudança e transformação social? E Patton retoma essa linha de pensamento agora e me faz refletir sobre esse período em que estamos nos deparando com essa disparidade”.

Outra coisa importante, segundo o consultor, foi a provocação sobre intensificar o pensamento avaliativo como algo que faz parte da base de qualquer processo. “Para além de métodos, ferramentas e estruturas avaliativas, há que se evocar o pensamento avaliativo como algo que faz parte da natureza, do sentido da ação, pois é isso que vai diferenciar um contexto avaliativo de uma simples medição. E grande parte desse potencial se manifestará na forma de conduzir o processo”, finaliza Alexandre Randi.