Desenvolvimento como profissão: conheça a história do Profides

Resolvemos contar um pouco da história deste programa  que inaugura, no Brasil, a prática social reflexiva voltada para profissionais que atuam no campo do desenvolvimento social

O nome surge de uma brincadeira. “Sempre que havia a necessidade de se hospedar em um hotel, ninguém sabia ao certo como preencher o item “profissão” na ficha de check-in. Cada um colocava uma descrição e nenhuma delas representava o que de fato se viam fazendo no campo social”, explica Saritta Falcão Britto, consultora do Instituto Fonte que vai nos contar um pouco da história do Profides – Profissão Desenvolvimento. 

Também tinha a ver com a dificuldade em traduzir adequadamente o termo practitioner para o português, que literalmente é um prático ou praticante. E a palavra profissional não era uma tradução adequada, porque esse termo parecia muito vinculado à forma das empresas chamarem as pessoas de suas equipes, algo que o programa não queria reforçar”, lembra a facilitadora. “Enfim, o que fizemos? Profissão: Desenvolvimento”.

Assim surge o nome Profides, programa de formação que influenciaria profundamente toda a trajetória do Instituto Fonte. Após mais de 15 anos da primeira versão, sua XI edição presencial foi cancelada devido à política de isolamento social provocada pela Covid-19 e nasceu a primeira edição com um formato voltado para o mundo virtual. 

Durante esse período, aproveitamos para conversar com Saritta Falcão Britto, que também é uma das responsáveis por sistematizar a trajetória do programa, junto com outras duas consultoras, Márcia Thomazinho e Martina Otero. 

Saritta, durante o Profides VIII.

Saritta é formada em administração de empresas pela Universidade Estadual de Pernambuco e iniciou sua trajetória no campo social como voluntária no Instituto Ação Empresarial pela Cidadania, organização que surgiu de um programa da Fundação Kellogg, junto com outras quatro ou cinco no Brasil voltadas para atuar com o fomento do Investimento Social Privado. Cursou a segunda turma do Profides, em 2006.

Para além de contar sobre, Saritta contextualizou a influência do programa em sua própria atuação profissional. E tudo isso se tornou uma mistura interessante, que você lerá adiante em mais uma das entrevistas da série #fonte20anos (que esperou a edição 2020 ser cuidadosamente planejada para ir ao ar). 

Boa leitura! 


O contexto histórico: como medir uma transformação social?

O debate em torno das políticas neo-liberais, redução do papel do Estado e a privatização de produtos e serviços de setores básicos intensificou no Brasil, ainda nos anos de 1990, um movimento em torno do fortalecimento de ações de Investimento Social Privado. O objetivo era fomentar uma nova cultura empresarial em sua forma de investir em ações sociais. 

Este movimento reforçou aspectos já trazidos com as agências internacionais de cooperação para as organizações sociais, voltados para controle dos processos, metrificação, acompanhamento de resultados, o planejamento estratégico e seu monitoramento. Para as organizações sociais, essas demandas mais tecnicistas representaram bem mais do que a criação de planilhas e procedimentos. O que quero dizer com isso?  

No campo social, quando construímos um projeto, não almejamos a criação de um produto, de um serviço. Antes de tudo, falamos sobre a transformação social que queremos, seja na esfera comunitária, na educação, na cultura. O campo social tem outra natureza de atuação, de intervenção, de transformação, de mudança e de indicadores. Um conjunto de elementos técnicos e empresariais, simplesmente exportados para o mundo das iniciativas sociais acirrou a criação de organizações com muita capacidade técnica, nas quais as transformações centrais passaram a ocupar lugares secundários.  

Qual seria a abordagem capaz de valorizar esse algo da natureza da ação social, sem deixar de lado o que se apresentava cada vez mais forte e necessário, relacionado à profissionalização das organizações? 

As turmas contam um número de 20 a 30 participantes que, na versão presencial, reúnem-se em imersão em algum local onde haja contato direto com a natureza. Foto da Turma VIII do Profides. 

 

Trocas e intercâmbios: a origem do Profides 

Logo inicial do Profides.

O Instituto Fonte, que já atuava com aspectos da gestão de organizações do terceiro setor, percebeu a necessidade de criar um espaço de formação para debater e enfrentar essas questões. Assim, começa a elaborar um processo de formação voltado para as pessoas, líderes que trabalham com desenvolvimento social, com uma abordagem no campo da gestão capaz de transcender o aspecto tecnicista, da ferramenta em si. 

Logo atual do Profides, 2020.

Marina Magalhães, minha companheira na coordenação da oitava edição e então consultora associada ao Fonte, participa de um curso de facilitação de processos com Allan Kaplan, na África do Sul, sobre empoderamento dos indivíduos para uma leitura de contexto e se aprofunda no conteúdo do livro The development practitioners’ handbook. Ao lado de Antônio Luiz de Paula e Silva, também consultor, passam a idealizar a proposta inicial do que viria a ser o Profides. Tião Guerra torna-se um terceiro fundador, quando convidado para co-facilitar os módulos na condução das atividades musicais e artísticas, ampliando a linguagem e a abordagem de aprendizagem do programa.

A primeira edição foi financiada pelo Grupo Pinheiro, na forma de bolsas para os participantes. Mas foram muito importantes os recursos provindos da Cordaid, uma organização holandesa, que na época financiou as viagens de Allan ao Brasil e de profissionais do Fonte para a África do Sul. Esse intercâmbio foi o grande definidor do desenho inicial do programa. O Instituto Fonte manteve esse formato de bolsas parciais até a oitava edição. 


Linha do tempo do Profides: 

Natureza como laboratório nas atividades do Profides. 
  • Edição I: São Paulo, 2004-2005. Antonio Luiz de Paula e Silva, Marina de Magalhães C. Oliveira, Tião Guerra e Andrés Falconer.
  • Edição II: Recife, 2006-2008. Rogério Silva, Marina de Magalhães C. Oliveira, Tião Guerra e Alexandre Merren.
  • Edição III: São Paulo, 2008-2009. Alexandre Randi e Flora Lovato.
  • Edição IV: Recife, 2009-2010. Flora Lovato e Helena Rondon.
  • Edição V: São Paulo, 2010-2011. Madelene Barbosa e Marina de Magalhães C. Oliveira; trainee: Renata Codas.
  • Edição VI: São Paulo, 2012-2013. Arnaldo Motta e Flora Lovato; trainee: Márcia Thomazinho.
  • Edição VII: Cuiabá, 2013-2014. Alexandre Randi e Marina de Magalhães C. Oliveira; trainee: Izabel Cristina Carvalho.
  • Edição VIII: Recife, 2014-2015. Marina de Magalhães C. Oliveira, Pedro Pereira e Saritta Britto. Trainee: Rodrigo Cabral.
  • Edição IX: São Paulo, 2014-2015. Ana Biglione e Sebastião Guerra; trainees: Pilar Cunha e Tatiana Antunes.
  • Edição X: São Paulo, 2019. Facilitadores: Flora Lovato, Tião Guerra; trainee: Veridiana Aleixo.

Será que eu falei o que ninguém ouvia, será que eu escutei o que ninguém dizia (Não vou me adaptar, Titãs)

O cuidado com os detalhes. E o violão ao centro, representando a música como proposta de aprendizagem.

Profides – Profissão: Desenvolvimento é um programa voltado para a/o profissional que atua com situações de desenvolvimento social, sejam gestoras/es de projetos ou programas, de organizações sociais, em órgãos públicos, empresas, fundações, institutos.  

Seu objetivo é oferecer uma abordagem, menos ferramental e tecnicista, sobre como lidar com situações complexas, vivas, em movimento constante embora, às vezes, imperceptível. Ele atua no desenvolvimento de faculdades e habilidades pessoais capazes de favorecer a leitura dos contextos e cenários no campo de atuação do participante.

O programa procura desenvolver uma visão sistêmica, holística e orgânica da gestão. Trata da necessidade de entendermos que o fato codificado, metrificado é importante e que decodificá-lo exige outras capacidades internas de leitura de processo, de escuta, de reconhecimento de padrões, de percepções de relações. 

A arte para aprimorar a percepção: o quanto minha prática fala de mim? O quanto fala do mundo? O quanto é resultado da relação que estabeleci com o mundo que vejo?

O programa traz um conjunto de atividades para seus participantes desenvolverem estas “outras capacidades”. Um bom exemplo para visualizarmos o que estou explicando é aquela imagem clássica do iceberg, na qual o que está visível é uma parte muito menor do que tudo aquilo que está abaixo da água. Com as organizações e os processos sociais tendemos a olhar da mesma forma e consideramos apenas a parte visível do iceberg. 

E como fazer para decifrar, acessar e compreender melhor o que está invisível naquela situação? O programa entende que essas habilidades devem ser trabalhadas no âmbito dos indivíduos que integram as organizações. O Profides desenvolve uma nova maneira de lidar com processos, a partir da premissa de que lidamos, para além de situações controláveis, objetivas, práticas, quantitativas, com aspectos invisíveis e que isso tudo emerge no ambiente da organização. 

A bibliografia representa um aspecto fundamental do processo de construção do conhecimento proposto pelo Profides.

Que jeito é esse? Vamos falar de metodologia…

Eu atribuo ao Instituto Fonte esse pioneirismo de apresentar no Brasil essa abordagem, alicerçada no método cognitivo de J.W. Goethe, a fenomenologia. Até aquele momento, não havia qualquer referência sobre um curso com esse tipo de abordagem específica para profissionais do campo social. 

O diferencial construído está no fato de olhar para o conhecimento que o Instituto Fonte tem do campo social e das organizações, misturar isso com um lugar de conhecimento diverso e amplo, relacionado à prática social reflexiva e todo o intercâmbio de conhecimento realizado com Allan Kaplan. O programa foi organizado em cinco módulos, com temas intercalados, e trata desde o que é desenvolvimento, como ocorre a mudança, como fazer leitura e intervir em processos de desenvolvimento e, por fim, como é possível se manter nessa prática. 


Um parênteses para falar da Fenomenologia, a principal abordagem que nos conduz*

Atividade de observação da natureza, durante o Profides Centro-Oeste, em Cuiabá.

O delicado empirismo de Goethe é uma ciência da vida em todas as suas formas. Para obter uma compreensão completa da vida, o método de Goethe exige que o cientista respeite e atenda a vida. Eu argumento que, para alcançar esse objetivo, é preciso se tornar um aprendiz para a vida. Tornar-se um aprendiz para a vida exige que se recuse a comer o outro. Isso implica que o método de Goethe pode ser empregado com sucesso por qualquer pessoa que busque justiça social. Bill Bywater 

Para respeitar e atender à vida. Goethe olhava tudo como verbo – ou seja, como atividade – e em constante transformação: do girino ao sapo, do feto ao corpo humano plenamente desenvolvido, da semente à árvore. Percebia a vida sempre em interconexão e constante metamorfose. Fazia isso com rigor científico, para atender aos mais elevados padrões de ciência de sua época, muitos deles em vigor até hoje. 

Cunhou o termo Morfologia (o estudo da forma) para designar sua ciência – e como Bill Bywater adianta, também a chamou de “delicado empirismo”. Anos mais tarde, ela passou a ser chamada de Fenomenologia (Goetheana para diferenciá-la das demais vertentes da fenomenologia).

Aplicada ao mundo social, político, cultural, econômico, essa ciência está no centro do Profides, como abordagem metodológica e como um convite a um ‘estilo de viVER a vida’. Ela nos lembra de tomar todos os campos sociais como fenômenos singulares, vivos, orgânicos e também em constante transformação. 

Teoria das Cores e os olhares científicos de Goethe na atividade de observação com o prisma. Profides Sudeste.

Essa habilidade de se relacionar com os fenômenos como ‘coisa’ viva, transborda em nossa prática profissional, em nossas relações interpessoais, em nossa vida pessoal íntima de formas surpreendentes, trazendo genuinidade, prazer e realização ao nosso fazer. Sendo assim, o Profides se apresenta como promotor de uma prática que não se esgota na ferramenta, no instrumento, na técnica; portador de altíssimo rigor e sabor, ele atua em nosso comportamento. 

Diferentes capacidades de percepção, observação, imaginação e intuição são necessárias para compreender tais fenômenos, multifacetados no exterior e diversificados no seu interior. 

A razão pela qual as coisas se apresentam diante de nós de maneira tão enigmática é que não participamos de seu vir-a-ser. Simplesmente as encontramos. Quanto ao pensar, no entanto, sabemos de onde vem. Por isto, não existe um ponto de partida mais fundamental para a compreensão do mundo que o pensar. Rudolf Steiner 

Como desenvolver essa habilidade de ver a vida sem ter que dissecá-la? Como compreender um indivíduo, um grupo, uma comunidade, uma organização, uma empresa, como um todo ao invés de percebê-los como divididos em partes? Uma nova forma de praticar o pensamento nos é requerida e é em busca de aprimorá-las que o Profides trabalha.

* trecho retirado do material explicativo do programa. Allan Kaplan e Sue Davidoff, da Proteus Initiative (África do Sul), são precursores da Pratica Social Reflexiva no mundo.


As sementes foram plantadas. Deram frutos?  

O Profides inspira outros processos de aprendizagem e experimentação do próprio Instituto Fonte. Os exercícios e práticas que desenvolvemos com as organizações em planejamento estratégico, avaliação, facilitação têm a mesma base metodológica. Isso nos confere uma abordagem bastante específica (que pode ser aprofundada na entrevista Facilitação: a arte de intervir em organismos sociais vivos ).

Outros exemplos de extensão dessa prática é o Aristides, um encontro bianual de trocas entre participantes dos programas do Fonte, o Artistas do Invisível; o Programa Aprimora, e algumas oficinas que passam a fazer parte das nossas práticas, como o Ativismo Delicado. Todos acabam se constituindo como um conjunto de iniciativas capazes de aprofundar essa abordagem aqui no Brasil. Vale ressaltar que a experiência de intercâmbio permanente com Allan teve o Profides como primeiro expoente, mas inspirou o Artistas do Invisível anos depois. 

É possível observar o desenvolvimento de uma flor? E de uma comunidade? Foto tirada durante o Profides X: a observação dos fenômenos da natureza no auxílio da percepção dos fenômenos sociais: cores, texturas, tamanho, cheiro.

Temos relatos de programas de formação em outras organizações, inspirados no Profides, como o Lidera (formação para empresários), o Geração (focado na formação de novas gerações da elite econômica do Brasil) e o surgimento e atuação do Grupo Recife de Aprendizagem, do qual sou parte com outros 12 participantes da segunda edição, é outro importante expoente de iniciativas surgidas a partir do Profides. Com a motivação de aprofundar e mergulhar no estudo dessa abordagem o grupo fundou, com a Escola Proteus, a primeira Pós-graduação em Prática Social Reflexiva, no Brasil.

Nosso país é um grande expoente da prática social reflexiva em toda a América Latina, e o Profides foi e é uma janela ou porta de entrada. Fortalecer as diferentes iniciativas que têm sido criadas e pautadas por essa abordagem, seus atores, é algo que nos sentimos chamadas e responsáveis. Nos três encontros do Aristides, procuramos co-criar com a rede de praticantes um espaço de troca, de prática e presença. Participar dos chamados promovidos por esses multiplicadores também tem sido uma das maneiras que encontramos de apoiar e nos manter nesse lugar de troca. 

Outro ponto de reflexão é o formato e o desafio das pessoas em mergulharem nesse processo de um ano de encontros imersivos de quatro dias, distantes dos centros urbanos. Precisamos avançar na criação de um formato que por um lado desonere o programa, mas ao mesmo tempo facilite a participação e ajude as pessoas a se aproximarem dessa abordagem. Diante do caos instalado por este desgoverno do Brasil e agravado pela pandemia, estamos dedicadas a criar uma nova morfologia para o Profides. O que podemos fazer para levar o programa às pessoas que mesmo isoladas socialmente buscam um espaço para refletirem juntas sobre o que estão vivendo? Que querem ver o fluxo da vida que pulsa nos seus processos e de suas organizações? Que estão determinadas a deixar morrer um fazer social mecanizado para integrar na sua prática diálogos entre técnica e arte; resistência e delicadeza; autenticidade e repetição; método e presença? 

Sobre o futuro do programa, tivemos que suspender uma XI Edição que estava para acontecer no Sudeste e os movimentos de uma edição Nordeste. No entanto, criamos o Profides 2020: o fazer essencial, com um formato virtual e que está com suas inscrições abertas. Saiba mais aqui!

 


“Um pouco sobre o meu próprio aprendizado”

No campo da formação de empresas, a gente tem uma visão muito tecnicista, voltada para resultados. Posicionamento de produtos, serviços, marcas, métodos e processos, como organizar e controlar procedimentos, cuidar da qualidade, das vendas, etc. Durante a minha formação, era algo que me deixava bastante desconfortável, porque eu tenho uma pegada mais humanista, gosto de gente. 

Equipe de facilitadores do Profides VIII. Da esquerda para a direta: Rodrigo Cabral, Saritta, Pedro Pereira e Marina Magalhães.

Além de trazer um novo olhar para a organização e para os fatos a partir do que é objetivo, quantitativo, com capacidade de ser descrito e observável, esse método que o Profides propõe uma visão sobre o que não está sob controle nas organizações, do que é possível, no máximo, se antecipar ao compreender melhor como as coisas chegaram aqui, o que se repete, o que tende a acontecer de novo. Ele traz para mim um todo muito maior e mais complexo, algo que que tem a ver com a minha capacidade, enquanto indivíduo, e não é de técnica, não é de ferramental, é de ter habilidade de fazer essas conexões, essas relações e perceber o que não é tão objetivo a partir do objetivo. 

Quando assumi a Área de Desenvolvimento Institucional do Instituto de Cidadania Empresarial, com a realização de algumas edições do Programa Lidera, passamos a perceber que as mudanças na postura e no compromisso da empresa estavam relacionados com a mudança de comportamento da liderança. E a inspiração do Lidera veio do Profides, é esse tipo de mudança que programa provoca na gente.


INSCRIÇÕES ABERTAS ATÉ 02 DE AGOSTO 

O Profides 2020: O fazer essencial é uma edição pensada para esse momento de isolamento social. Você pode FAZER SUA INSCRIÇÃO AQUI!


Baixe aqui o PDF do programa: Profides 2020: O fazer essencial

E, em caso de dúvidas, entre em contato com: contato@institutofonte.org.br

E assista ao vídeo de lançamento para ter um gostinho do que vem pela frente!